A atualidade de um martírio

14/01/2011 22:09

Há mártires e mártires. A palavra evoca hoje mais frequentemente o significado de amargura, a aflição, a dor moral ou física. Neste sentido nos referimos, por exemplo, aos pais pela perda de uma filha querida, no esplendor de sua juventude, seviciada e morta por seus sequestradores.

O Rio de Janeiro, infelizmente, exibe inúmeros episódios nos quais a violência e o medo o fazem padecer cruelmente. Podemos até falar em cidade martirizada: são todas as vítimas dos males pelos quais também somos responsáveis.

Esse Calvário, unido ao daquele Deus que se fez homem para participar das nossas angústias, contribui para a salvação de nossa comunidade, se suportado dentro de uma perspectiva cristã. Contudo, essa posição espiritual em nada diminui o dever de combater eficaz e rapidamente tais deformações da vida coletiva.

A expressão mártir, no entanto, tem outro conteúdo, o original. Significa “testemunha” e é nesta concepção que ela aparece nos Evangelhos.

Por que razão se associou à idéia de sofrimento?

Porque os primeiros cristãos, na Igreja primitiva, atestavam sua Fé, proclamavam suas convicções em ambiente hostil; afirmavam uma Doutrina e um modo de viver aparentemente estranho à mentalidade reinante, suportando os mais variados tormentos. Preferiam a morte antes que renegar sua adesão aos ensinamentos do Redentor. E foram muitos milhares os que assim procederam.

E um deles é o protetor de nossa Cidade: São Sebastião. Foi supliciado em Roma, nos inícios da perseguição de Diocleciano, que começou a reinar no ano de 284. Apesar de pertencer à milícia do Imperador, denunciado como discípulo de Jesus, preferiu morrer a trair o Salvador, sentido profundo de sua vida e de sua morte.

O exemplo de São Sebastião, cuja festa estamos celebrando, nos deve levar a questionar seriamente a nossa consciência e o meio em que estamos inseridos.

Sobram os atormentados pela miséria moral e material porque escasseiam fiéis dispostos à renúncia, decorrentes das exigências dos ensinamentos do Senhor. Em consequência, avolumam-se os seguidores de uma anticultura, a do consumo, a do prazer, a do prestígio, a da busca desenfreada do dinheiro e do poder. Não são contestados com vigor pelos que deveriam sentir-se obrigados a fazê-lo.

A coragem é eminentemente necessária em nossa época onde predomina a covardia. Diante da opinião pública deformada, acovardam-se os discípulos. Poucos se arriscam a proclamar o valor da virgindade, inclusive pré-matrimonial; a defender o direito à vida também do nascituro, mesmo atingido por enfermidade. Nem sempre se ouve o “não” se algum falso profeta, utilizando-se como os fariseus, da cátedra, semeia doutrinas alheias e contrárias às orientações do Magistério e, em especial, aos ensinamentos do Sucessor de Pedro.

Especialmente a juventude surge para a existência adulta dentro de uma espécie de “camisa de força”. A educação dos pais obedientes à Igreja é contestada pelo ambiente que respiram. A coerência com os princípios evangélicos é algo incompreensível a uma mentalidade pagã. Ser fiel ao Senhor e à sua Igreja exige, às vezes, o heroísmo.

A causa última de tantos males não se encontrará na falta, na carência, na redução do número de mártires-testemunhas?

João Paulo II insistiu certa vez afirmando: “Deus não é cúmplice das injustiças”. E devemos ter consciência da responsabilidade, que pesa sobre cada um, de redimir os seus irmãos carentes, moral e materialmente vítimas do sofrimento injusto. Resgatar implica em pagar o preço dos sequestradores pela iniquidade. E o mínimo a exigir do fiel é o martírio-testemunho, é a coragem de atestar a Fé com gestos concretos, com o exemplo de suas vidas e de seu repúdio aos antivalores que devastam nossa cultura.

Jesus caminha à frente do rebanho: “Eu vim para dar testemunho – para ser Mártir da Verdade; todos que são da verdade ouvem a minha voz” (Jo 18,37).

São Sebastião, o “Mensageiro da Paz”, que atendeu a essa diretriz com a sua morte, multiplique, entre nós, o número de cristãos decididos a ouvir a mesma voz, a seguir o caminho aberto pelo Redentor, ainda que ao preço de quaisquer sacrifícios.