A Palavra do Senhor

08/04/2011 08:56

O Concílio Vaticano II promulgou, a 18 de novembro de 1965, um importante documento sobre a Revelação divina denominado Constituição Dogmática “Dei Verbum”. Ele impulsionou sobremaneira a redescoberta da Palavra de Deus na vida da Igreja, a reflexão teológica e o estudo da Sagrada Escritura. Passados 45 anos, a 30 de setembro de 2010, o Santo Padre Bento XVI publicou a Exortação Apostólica “Verbum Domini”, fruto da 12ª Assembléia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos realizada em 2008. Sua mensagem retoma as aspirações da “Dei Verbum”, mas volta-se para os novos tempos, numa resposta às necessidades da Igreja.

Embora o assunto já tenha sido tratado aqui, sua importância nos permite abordá-lo em outras perspectivas e refletir sobre a grandeza da Sagrada Escritura.

É importante destacar que, sob o impulso do Concílio Vaticano II, e particularmente em nossos dias, reaviva-se entre os fiéis católicos um intenso movimento – diria mesmo, devoção – pela Palavra de Deus. São inúmeras as iniciativas que florescem em todas as áreas sociais e culturais desde a distribuição de milhares de Bíblias à multiplicação de círculos bíblicos que incluem leitura e reflexão dos textos sagrados adaptados às circunstâncias.

A Exortação Apostólica “Verbum Domini” destaca na sua introdução que “nas últimas décadas, a vida eclesial aumentou a sua sensibilidade relativamente a este tema, com particular referência à Revelação cristã, à Tradição viva e à Sagrada Escritura. (...) houve um crescendo de intervenções visando suscitar maior consciência da importância da Palavra de Deus e dos estudos bíblicos na vida da Igreja, que teve o seu ponto culminante no Concílio Vaticano II. E a Igreja, ciente da continuidade do seu próprio caminho sob a guia do Espírito Santo, com a celebração deste Sínodo sentiu-se chamada a aprofundar ainda mais o tema da Palavra divina” (nº3).

Diariamente somos bombardeados por uma infindável soma de mensagens inautênticas, sob diversas formas. O assíduo manuseio do Livro Sagrado adquire assim uma importância particular a essa ação deletéria. Serve de antídoto que preserva dos desvios a que somos induzidos pelas pressões de uma opinião pública contrária aos princípios eternos, às diretrizes do Criador para nossa vida individual e social. A Mensagem divina é fecunda e nela temos uma explicação para a sobrevivência de tantos valores autênticos, em meio a um ambiente infiltrado por constantes apelos às normas dadas por Deus aos homens.

A princípio, a Palavra do Senhor era transmitida apenas de viva voz, de geração em geração. A seguir, foi aos poucos consignada por escrito, donde resultou a verdadeira biblioteca sagrada, redigida no decorrer de um longo período. No limiar da era cristã, foi ela encerrada. Dentro do contexto vivo da Tradição, é regra de fé.

Deste modo afirmamos, com a Exortação, que “(...) no centro da revelação está o acontecimento de Cristo, (...) que a Palavra divina exprime-se ao longo de toda a história da salvação e tem a sua plenitude no mistério da encarnação, morte e ressurreição do Filho de Deus (...) e é transmitida na Tradição viva da Igreja. Por conseguinte, a Sagrada Escritura deve ser proclamada, escutada, lida, acolhida e vivida como Palavra de Deus, no sulco da Tradição Apostólica de que é inseparável” (nº7).

Evidentemente, de grande interesse para uma compreensão correta dos textos são as pesquisas linguísticas, arqueológicas e históricas. Fácil avaliar os obstáculos à inteligência que apresenta um ensinamento transmitido através de mentalidades, costumes, estilos literários tão diversos e variados.

Para evitar ceder a concepções arbitrárias ou subjetivas, os leitores católicos estão atentos à voz da Igreja, Mãe e Mestra. A ela o Salvador confiou o depósito da Sua Palavra (cf. Lc 22,32s; Jo 14,16). A esse respeito, assim se expressa o Santo Padre: “(...) o lugar originário da interpretação da Escritura é a vida da Igreja. Esta afirmação é uma exigência da própria realidade das Escrituras e do modo como se formaram ao longo do tempo” (nº29).

A fidelidade à tradição oral, presente até hoje no Magistério eclesial, é o critério seguro, autêntico ao entendimento do sentido teológico da Bíblia. Observa-se, infelizmente, que alguns promovem uma releitura, especialmente dos Evangelhos e de certos trechos do Antigo Testamento. Fazem-nos à luz de premissas psicológicas, psicanalíticas ou mesmo ideológicas. A boa exegese nos diz que os episódios relatados, na contextura geral da Bíblia, aparecem como tipo de outros fatos, segundo os valores definitivos. Assim, por exemplo, São João menciona a tenda do deserto, a serpente de bronze, o maná, a coluna de nuvem, o cordeiro da Páscoa como imagens do Salvador e dos seus dons (cf. Jo 1,14; 3,14s; 6,49-51; 8,12; 19,33-37). Descobrimos, portanto, que “um autêntico processo interpretativo nunca é apenas intelectual, mas também vital, que requer o pleno envolvimento na vida eclesial enquanto vida `segundo o espírito’ (Gl 5,16)” (nº38).

Impõe-se afirmar a convicção que esse Livro possui admirável atualidade e juventude. O comportamento de cada cristão afirma ou nega sua verdade, quando põe em prática ou infringe as orientações nele contidas. Um exame de consciência pode esclarecer a posição de cada um diante desse monumento da bondade de Deus.