Páscoa, Dom Eugenio e a Mídia (por Dom Orani João Tempesta)

30/04/2011 08:17

 

Estamos na Páscoa! Ecoam por todos os lados os sinos festivos e os cânticos de Aleluia. Cristo Ressuscitou! Verdadeiramente Ressuscitou, cumprimentam-se os orientais. A alegria pascal depois do tempo de penitência e conversão deve nos levar ao belo anúncio de sair, como na madrugada do primeiro dia da semana, e ir à grande cidade anunciar a Vida que venceu a morte. Cantai, cristãos, afinal! Neste tempo e em todos os tempos é tempo de proclamar o Cristo Ressuscitado, Redentor dos Homens!

São belos momentos, eventos e celebrações que nos aguardam nesta época. Mas nesta semana, no dia 1º de maio, dia do trabalhador, dia do trabalho, dia de São José Operário e domingo da Misericórdia, teremos a beatificação do Papa João Paulo II. Nós, que aqui no Rio de Janeiro ouvimos a sua palavra dizendo que “o Papa é carioca”, e que era necessário conjugar a beleza da natureza com a beleza construída pelo homem, nos sentimos participantes desse evento como alguém que tem um seu conterrâneo sendo beatificado. É alguém de casa, é membro de nossa família!

Continuarão a ressoar durante todo o tempo pascal, em nossos ouvidos, as palavras do anjo: “Não tenhais medo! Sei que procurais Jesus, que foi crucificado. Ele não está aqui! Ressuscitou como havia dito! Ide depressa contar aos discípulos que Ele ressuscitou (...)” (Mt 28,5-7). É esse o grande anúncio que queremos também continuar proclamando ao mundo. Desejo a todos que essa alegria pascal os contagie e os conduza pelos caminhos deste alegre anúncio! A morte foi vencida! Cristo é a nossa Páscoa!

Compartilhando com todos os leitores a exultação pascal, desejo hoje manifestar uma grande gratidão ao nosso querido Cardeal D. Eugenio Sales. Em nome da Igreja, que vive e caminha aqui nesta cidade maravilhosa, agradeço-lhe pela sua vida, missão, testemunho e a incansável dedicação junto aos meios de comunicação.  No domingo de Páscoa do ano passado, ele se despediu dos telespectadores que o assistiam todos os finais de semana. Na Páscoa deste ano, na semana passada, portanto, ele se despediu dos que o liam pelos jornais. É um tempo em que o silêncio continuará a gritar ainda mais alto a sua mensagem de sabedoria e de fé cristã. A Rádio Catedral ainda continuará veiculando suas gravações do Catecismo e do Momento do Angelus.

Assim como durante anos na televisão e no rádio dedicou-se a proclamar a boa nova, defender os princípios morais, a sã doutrina, os valores da família e da sociedade, a Igreja e o Papa, a quem dedica sua vida e ministério, na imprensa escrita, da qual ele se despediu na semana passada, não foi diferente. No intuito de fazer ecoar o mandado missionário do Senhor “Ide e ensinai a observar tudo quanto vos ordenei” (cf. Mt 28,19), esteve em sintonia com o tempo, tornando este espaço o seu areópago.

Nestes tempos em que “intelectuais” de comunicação confundem estado laico com estado ateu ou laicista, e querem impedir a presença da Igreja nos meios de comunicação, como se o ser humano não tivesse sua dimensão transcendente, ao agradecer D. Eugenio por esta missão, bendizemos a Deus pela sua coragem de sempre lutar nessa área e ter feito uma história que jamais será apagada: a contribuição da Igreja com o bem do Ser Humano e a liberdade do povo de manifestar-se também pela mídia, a que tem direito. Realmente é de chorar diante de tantos descaminhos da sociedade e das pessoas, até mesmo com uma ingênua boa vontade, querer impedir a manifestação coerente e tranquila. É claro que todos os exageros devem ser corrigidos e para isso existem as leis, mas nunca para criar cidadãos de segunda categoria no país.

Ao longo de 40 anos as mensagens de D. Eugenio foram veiculadas em diversos jornais de grande circulação nacional. Sua opinião foi orientação para muitos que, diante das várias situações, procuravam uma direção a tomar em sua vida e também em seu pensamento. Minha gratidão, em nome de toda a Arquidiocese do Rio de Janeiro, a todos os Jornais que cederam espaços tão valiosos à Igreja através dos artigos de nosso amado Cardeal.

Após completar 90 anos, celebrados com grande júbilo pela Arquidiocese do Rio de Janeiro em 2010, Dom Eugenio expressou o desejo de escrever seu último artigo nesta Páscoa, um ano após ter se despedido dos seus programas dominicais veiculados na Televisão e no Rádio, o que se concretizou com a publicação da semana passada. No entanto, o acervo de suas mensagens, que está publicado integralmente no Boletim da Revista do Clero desde 1971, órgão oficial da Arquidiocese do Rio de Janeiro, permanece como parte do seu legado. Além disso, diversos documentos, textos, fotos estão ao alcance de todos por meio da internet, seja no site da Arquidiocese, seja em seu blog pessoal.

Se fizermos uma leitura dos seus artigos nessas quatro décadas, poderemos percorrer neles a trajetória e a evolução dos acontecimentos do Brasil e do mundo, os quais foram tratados com sabedoria pelo Cardeal. Suas reflexões abordaram questões do dia a dia da Igreja e da sociedade como um todo, apontando caminhos e metas a serem perseguidos.

O ensinamento de Dom Eugenio traduz o apelo do Papa Bento XVI na sua Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais de 2011: “Comunicar o Evangelho significa não só inserir conteúdos declaradamente religiosos nas plataformas dos diversos meios, mas também testemunhar, no modo de comunicar, escolhas, preferências, juízos que sejam profundamente coerentes com o Evangelho”. Aliás, coerência e fidelidade são características que moldaram as ações do seu ministério e sua inconfundível personalidade. Já o nosso Austregésilo de Athayde o testemunhava ao dizer: “Não há como dar-lhe, fora do Magistério, interpretação pessoal sem que, dispensando-se a autoridade, perca-se a própria essência do múnus apostólico” (cf. Brasil, Raimundo Menezes, Homenagem ao Pastor, pág.396).

No auge dos seus quase 91 anos, como poderemos definir a pessoa de Dom Eugenio Sales? A síntese está no seu lema episcopal, fundamentado na Segunda Carta de São Paulo aos Coríntios, o qual carrega a diretriz de sua vida: – “impendam et superimpendar” – que permanece atual, apesar das contingências do tempo. Deste modo ele pode proclamar, como de fato o faz, sem medo ou meias palavras, o que diz o Apóstolo: “Quanto a mim, de bom grado despenderei, e me despenderei por inteiro, em vosso favor. Será que dedicando-vos mais amor, serei por isto, menos amado?” (2Cor 12,15). Aqui Dom Eugenio encontra o sentido de viver e simplesmente se entrega ao dever de cumprir a missão que lhe foi confiada por Deus. E quem conhece Dom Eugenio não o imagina fazendo outra coisa senão servindo incondicional e incansavelmente à Igreja e àqueles que lhe foram confiados; “cuidando-os como pastor, de coração generoso e como modelo do rebanho” (cf. 1Pd 5, 2-3).

Não é difícil reconhecer também a influência de suas palavras e ações por terem marcado profundamente a Igreja do Brasil e repercutido em outras partes do orbe desde os tempos do Movimento de Natal. Dentre tantas iniciativas citamos o primeiro Regional da CNBB, que abrangia as dioceses da área territorial que ia do Maranhão à Bahia; o primeiro planejamento pastoral, colocando a técnica a serviço do Reino de Deus; a organização sistemática dos trabalhadores em sindicatos rurais; a primeira Federação dos Trabalhadores Rurais no Rio Grande do Norte; paróquias confiadas a religiosas; as Escolas Radiofônicas (educação pelo rádio) que impulsionaram o Movimento de Educação de Base (MEB – que completou 50 anos) e as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs); a Campanha da Fraternidade, posteriormente assumida em nível nacional pela CNBB no ano de 1964; o trabalho de proteção aos refugiados políticos, a defesa das favelas, iniciando pelo Vidigal, a preocupação com o diálogo com os construtores da sociedade e a cultura do tempo, o apoio às manifestações populares, e tantas outras realizações.

Trilhando um longo caminho desde Natal, passando por Salvador até as terras cariocas, o frutuoso apostolado de Dom Eugenio rendeu-lhe diversas honrarias. Mas, como ele ainda hoje se entusiasma ao falar do Apóstolo Paulo, cabem-lhe bem as palavras: “Os atletas se abstêm de tudo; eles, para ganhar a coroa perecível; nós, porém, para ganhar uma coroa imperecível” (1Cor 9,25). Como ele sempre professou, foi um instrumento nas coisas de Deus, acompanhado de um laicato comprometido com o dever missionário e de um presbitério vigoroso com o qual pôde contar para pastorear.

Com seu trabalho pastoral de vanguarda, soube também atuar nos modernos meios de comunicação e fazer chegar a tantos a Palavra do Evangelho. Todos os que o conhecem aqui no Rio de Janeiro sabem de sua presença e sua atuação em todos os campos. Será muito importante que a história faça justiça diante de uma pessoa que soube “sentir com a Igreja”, servir o Povo de Deus e demonstrar que o anúncio de Cristo, através da fé católica, pode ser proclamado sem meias verdades e sem trair a grande Tradição Apostólica, amando e caminhando com a Igreja.

A mim, que tive a honra de ser um dos seus sucessores na missão de servir a esta Igreja, peço a Deus a ousadia, como o Profeta Eliseu o fez, de que “me seja dado o dobro do teu espírito” (2Re 2, 9b), não por merecimento, mas para fortalecer minha fragilidade diante de tão grande missão que recebi. Tenho consciência do lugar onde fui colocado e sei também que o Senhor me dará as luzes para bem servir ao povo de Deus que aqui caminha.

A Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, ao contemplar os 40 anos de artigos de D. Eugenio na imprensa do país, agradece o seu empenho em fazer chegar, através desse meio, a todas as pessoas de boa vontade o que celebramos nesta páscoa: Cristo ressuscitado, o Caminho, a Verdade e a Vida, centro da História e de nossa vida, e a quem devemos sempre voltar para a nossa missão hoje e sempre.