O cristão e o trabalho

01/05/2010 00:00

 

A cada ano o dia 1º de Maio – dedicado a São José Operário – reveste-se de especial sentido para nós, uma vez que o trabalho humano foi sobremaneira dignificado pelo Criador. A encíclica “Laborem Exercens”, do Papa João Paulo II, publicada em 14 de setembro de 1981, expressou isto de modo ímpar.
 
Essa consagração segue a longa tradição bíblico-cristã, que reconhece um caráter quase sagrado na força que prolonga, através dos séculos, o próprio poder de Deus, em seu “trabalho” criador. E também completa, pelo seu inerente sofrimento, a obra redentora de Cristo (“Laborem Exercens”, nº 27).
 
Fundamentado nesse valor intrínseco, João Paulo II repudia todos os sistemas que se interessam mais pelo que é produzido, deixando em plano secundário, o trabalhador. A Igreja se coloca fora e acima do “conflito ideológico entre o liberalismo, entendido como ideologia do capitalismo, e o marxismo, entendido como ideologia do socialismo científico e do comunismo” (idem, nº 11).

Esse documento pontifício abre grandes espaços à criatividade, à participação das pessoas de boa vontade e as estimula na busca de formas organizativas da sociedade, conforme um princípio ético de fundamental importância. Ele se traduz na primazia da criatura sobre o criado. E, em consequência, ele vale mais que o produto de seus esforços. Do mesmo modo, insiste na supremacia do trabalho sobre o capital. A festa de São José Operário nos proporciona oportunidade para refletir sobre essa norma formulada pelo Sucessor de Pedro, fazendo eco e reafirmando o que vem sendo ensinado pela nossa Doutrina Social.
 
Algumas considerações nos ajudam a compreender seu conteúdo.

A primeira é negar a conotação classista: “com a palavra ‘trabalho’ é indicada toda a atividade realizada pelo mesmo homem, tanto manual como intelectual, independentemente das suas características e das circunstâncias” (“Laborem Exercens”, nº 5).

Em seguida, o critério ético da valorização do homem sobre o lucro nos leva a graves questionamentos, de grande repercussão prática. Que diz uma consciência cristã acerca da mentalidade que coloca o problema do alimento, saúde, o lar próprio, a educação em um segundo plano? A resposta nos induz, no Brasil, a crescente impulso por atender melhor às exigências fundamentais de nossos irmãos que têm no salário a única fonte de uma sobrevivência digna.

Enquanto uns tratam a criatura como peças componentes de um progresso questionável, a Igreja, em meio a esse jogo frio de números e previsões, proclama a dignidade daquele que é feito à imagem de Deus. E o faz porque o extraordinário crescimento material não conseguiu erradicar males seculares que afligem ainda hoje milhões e milhões de indivíduos. O brilho ofuscante de fantásticas conquistas convive com a fome e o analfabetismo, a doença, a falta de habitação condigna e, hoje, acresce o desemprego. João Paulo II, na “Laborem Exerces”, constata: “Lançando o olhar para a inteira família humana, espalhada por toda a terra, não é possível ficar sem ser impressionado por um fato desconcertante de imensas proporções, ou seja, enquanto que, por um lado, importantes recursos da natureza permanecem inutilizados, há, por outro lado, massas imensas de desempregados e subempregados e multidões ingentes e famintos” (“Laborem Exercens”, nº 18).

Na sua primeira Visita Pastoral ao Brasil, no dia 6 de julho de 1980, João Paulo II esteve na cidade de Salvador, na Bahia. Em seu discurso às “Autoridades e aos Cidadãos”, falou sobre reformas sociais e afirmou: “Ou se faz, através de reformas profundas e corajosas, segundo princípios que exprimem a supremacia da dignidade humana, ou se faz – mas sem resultado duradouro e sem benefício para o homem, disto estou convencido – pelas forças da violência. Cada um de vós deve fazer a sua escolha nesta hora histórica”.

Ao formular o princípio ético da primazia do trabalho sobre o capital, o Papa não pretende conferir à sua Igreja atribuição indébita para administrar a sociedade civil. Ao contrário, deixa bem claro que ela deve renunciar a qualquer pretensão nesse campo. O que deseja é insistir em um postulado fundamental que, uma vez aceito, modificará profundamente o ambiente social. Aceita a supremacia do ser sobre o ter, o esforço humano adquire o seu estado mais nobre, com consequências radicais e definitivas na construção de um mundo mais justo e feliz.

A questão tem uma conotação religiosa: “embora se deva distinguir cuidadosamente o problema terreno do crescimento do Reino de Cristo, todavia, na medida que tal progresso pode contribuir para a melhor organização da sociedade humana, tem muita importância para o Reino de Deus” (“Gaudium et Spes”, nº 39).

No dia 1º de maio celebraremos a festa de São José Operário. Façamos esta comemoração tendo diante dos olhos que foi, por um trabalhador humilde e pobre, que Deus optou para confiar-lhe o que tinha de mais precioso e mais caro: a Virgem e seu Filho, o Cristo Jesus.
 
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