Reflexôes sobre o Concílio

24/01/2011 18:46

     Em certa ocasião , fui solicitado a dar um depoimento à BBC de Londres sobre “O Legado do Concílio Vaticano II”. A equipe percorreu vários continentes para preparar um vasto material.

 

     Eis algumas reflexões sobre os resultados do Concílio, essa memorável reunião que se estendeu de 1962 a 1965. Decorridos vários anos, são muitos ainda os que desconhecem tão importantes e decisivos documentos que determinaram os rumos eclesiais na fase final do milênio.

 

     Constato profundas mudanças na aceitação, pelo meio profano, da obra de Cristo. Ela é hoje vista pelo mundo com mais simpatia, apesar de ainda perdurarem perseguições. Pode mesmo ter crescido em algumas áreas um clima anticlerical. No entanto, o saldo é positivo. O fato de haver inúmeras representações diplomáticas junto à Santa Sé mostra o interesse das nações, mesmo inteiramente alheias ao Cristianismo, em ter um contato com o Sucessor de Pedro.

 

     A abertura às realidades terrenas, saindo de um âmbito interno e sacral, se revela nas primeiras palavras de um dos mais valiosos documentos conciliares, a “Gaudium et Spes”: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo”(nº1).

 

     De grande valia e repercussão é o reconhecimento de que essa atitude decorre da Encarnação de Deus. No passado, foi menor a atenção aos aspectos seculares da missão confiada por Cristo aos Apóstolos. A ordem divina é de total compreensão por parte da comunidade dos fiéis a tudo o que é realmente humano: as aspirações de nosso coração, as conquistas no campo das ciências, da técnica, os fracassos, como as guerras, drogas, corrupção, doenças. Sem ceder em sua estrita identidade religiosa e preservando-a fielmente, a Igreja se conserva aberta a todos os homens, seus sucessos e derrotas, levando em todas as circunstâncias a mensagem salvífica de Cristo, respeitada a liberdade de consciência de cada um.

 

     Nesse contexto situa-se a doutrina conciliar sobre a relativa autonomia das ciências e das atividades do mundo (cf. “Gaudium et Spes”, nº36). Não significa fragmentações independentes e partes desconexas entre si. Há uma profunda unidade em cada pessoa. E ela somente se realiza plenamente na medida em que se reconhecem normas éticas a que se deve estar subordinado. Elas não se confundem com interesses momentâneos, vantagens particulares, pessoais. E devem ser respeitadas, sob pena de a criatura se trair e degradar-se a si mesmo. Em Deus, e somente nele, o indivíduo salva sua liberdade.

 

     A partir do século XVIII, aparece a absoluta exaltação da ciência e, no seguinte, a da técnica. A seguir, os grandes sucessos da inteligência humana. O progresso fantástico que continua, não é capaz de resolver problemas que afligem a Humanidade. A fome aí está. Fracassos convivem com os êxitos, sem haver sinais de uma solução que beneficie os povos.

 

     O Concílio é a resposta da Igreja ao homem de hoje. Sua dignidade depende da importância que é dada à ética no relacionamento social e na vida pessoal. Contudo, essas diretrizes somente terão validade na formação da consciência individual e coletiva se forem alicerçadas na Fé e não apenas na razão humana. Por isso, “a Igreja crê que não foi dado aos homens sob o céu outro nome no qual devamos ser salvos (...). O Concílio pretende (...) cooperar na descoberta da solução dos principais problemas de nosso tempo”(“Gaudium et Spes”, nº 10).

 

     Em nome do Cristo Jesus o Vaticano II nos enviou a dialogar co todas as realidades terrestres. Não pode ser um encontro entre surdos. A Igreja quer ouvir, aprender dos conhecimentos da Humanidade com suas esperanças e angústias, sucessos e limitações. E também dos cientistas, técnicos, políticos assim como da experiência e da sabedoria dos pequenos e humildes.

 

     De outro lado, ela quer também falar ao profano. Possui uma mensagem para as mais profundas interrogações de nossos corações. O ensino de Cristo é de confiança, perdão, amor, serviço. Comunica uma certeza: a Cruz do Calvário abre para todos uma outra vida e, como dom gratuito, a ressurreição de Cristo assegura a nossa no final dos tempos. Essas verdades jamais poderão ser omitidas, mas propostas a cada criatura.

 

     A providencial e extraordinária abertura da Igreja ao temporal nem sempre ocorreu isenta de falhas e desvios.

 

     O Povo de Deus, em sua prática religiosa, na vivência cotidiana à luz da Fé, tornou-se mais simples e próximo aos pobres. Os testemunhos concretos, felizmente, são muitos. Como é natural em ambiente humano, houve atitudes e posições equivocadas.

 

      Voltaremos ao assunto para ver o pós-concílio dentro da própria Igreja, assim como os deslizes por culpa dos indivíduos que não quiseram seguir as luzes do Espírito Santo, transmitidas pelo Magistério Eclesiástico. É o que constataram os Padres sinodais na “Relatio Finalis” do Sínodo de 1985: “A grande maioria dos fiéis recebeu o Concílio Vaticano II com entusiasmo, embora poucos, em alguns lugares, lhe tenham feito resistência”(nº 3).