A contestação dos valores morais

03/12/2010 14:09

 

A humanidade paga alto preço pelo processo de contestação a seus valores tradicionais. Eles, que são a garantia de estabilidade, vem se deteriorando em um ritmo assustador. Como exemplo, aí está a violência. Ninguém pode honestamente negar a vinculação causal aos crimes que nos assombram e revoltam com a corrupção dos costumes, a permissividade sexual que campeia, os tóxicos, cujo consumo cresce despudoradamente. Essa decomposição ameaça nivelar aos criminosos os que recebem a missão de combatê-los.

 

A decadência, de início, questiona certas convenções sociais, rotulando-as de preconceitos burgueses. Em seguida, passa a investir contra padrões de conduta que presidem as relações entre os cidadãos. Atinge, assim, a própria identidade social. O método é ridicularizar, como mero tabu, o que é reflexo de exigências da constituição do próprio ser humano. Leis divinas são transgredidas sob o falso pretexto de que o comportamento deve ser norteado pela satisfação de todos os desejos. A essa altura, o homem já se igualou aos animais irracionais, estes guiados unicamente por instintos. Como somente a criatura racional e livre é responsável por seus atos, fácil concluir a que situação desce então, acarretando consequências deletérias nos mais diversos campos da convivência entre pessoas.

Sob a pressão deste questionamento, a licenciosidade destrói os fundamentos morais, alicerce da ordem pública e privada.

Quando a Igreja eleva sua voz contra esse descalabro, é acusada de anacronismo. Entretanto, não se trata de saudosismo, pois está ela consciente de sua inserção numa cultura pluralista. Contudo, ao defender esses princípios, não o faz tanto por serem eles fruto de preceitos eclesiásticos, religiosos, mas pela preservação da própria dignidade humana. Afinal não somos apenas corpo animal, temos uma alma. O espírito nos distingue do resto da Criação.

Há uma unidade substancial que não pode ser rompida impunemente. As mais elevadas atividades estão condicionadas a disposições físicas ou somáticas. Por isso, quando o corpo sofre a dor, a enfermidade, a fome, a subnutrição, reduz-se seu potencial espiritual. A tristeza, o medo, o tédio, a perda do sentido da vida e força de vontade, cedendo às soluções dos vícios, repercutem no organismo, e toda criatura se ressente. Abre-se sinistro caminho para um processo de autodestruição. É baseada nessa visão integral que o cristão resguarda os valores do espírito, como faz também com os de natureza corpórea.

A Igreja não se cansa de recomendar o uso responsável do mais belo dom de Deus – a liberdade. Hoje, infelizmente, confunde-se essa excelsa prerrogativa com o livre arbítrio, chegando-se, com frequência, à libertinagem. Tão elevada honraria é também um desafio. O homem recebe do Senhor a responsabilidade de construir seu próprio destino, de realizar e de encarnar em si a esplêndida imagem que Ele, como Criador, propõe à sua Criatura. O meio para alcançar esse fim, para se aproximar desse ideal, é a faculdade de opção que, bem empregada, conduz à verdadeira independência. Ao passo que o seu mau emprego leva à mais degradante escravidão dos sentidos.

Os que profanam a beleza do amor numa sexualidade desenfreada, os que abusam do álcool, os que se entregam às drogas, iludem-se com a escusa de que são livres. Na realidade estão sucumbindo às formas mais humilhantes de servidão. Por vezes, quando tomam consciência de serem as maiores vítimas, já é tarde demais para se libertarem. Quem opta pela licenciosidade atinge frontalmente o direito do próximo, fere a sociedade, é um criminoso, mesmo que não infrinja leis humanas. Por isso, é um dever de todos os cidadãos, especialmente das Autoridades constituídas em favor do bem comum preservar um nível de dignidade exigida pela própria estrutura do ser humano: coibir, contanto que dentro da legalidade, os que procuram destruir critérios fundamentais ao bem da sociedade.

A escalada de imoralidade, da pornografia, do erotismo, do libertinismo, responde quase sempre pela surda revolta dos pobres e devassidão dos ricos. Ambos ridicularizam as exigências da moral. Esse clima corrói os valores espirituais, ameaça a convivência social, arruína o indivíduo como pessoa humana ao equipará-lo aos animais.

Nenhum povo transgride impunemente as leis da natureza, que são as Leis de Deus impressas no coração do homem, e expressas pela voz da consciência.

Em seu discurso aos Membros da Junta Municipal de Roma, a 19 de janeiro de 1981, referindo-se à permissividade que invadia a Cidade Eterna, o Papa João Paulo II afirmou: “Nenhuma pessoa sensata pode deixar de ser intimamente abalada e perturbada perante estes preocupantes sintomas de crise profunda que põem em dúvida os próprios fundamentos da convivência civil”.

Precisamos reconsiderar urgentemente os valores subjacentes à sociedade, a fim de que seja possível oferecer uma formação moral sadia aos jovens e igualmente aos adultos, direcionada para os autênticos valores morais que estão radicados na dignidade da pessoa humana. Isto leva-nos à consideração a respeito da centralidade da família e da necessidade de promover o Evangelho da vida (cf. Bento XVI, Discurso aos Bispos dos Estados Unidos, 16 de abril de 2008).