Encíclicas e o Espírito Santo

18/09/2010 08:26

 

Ao retomarmos nossas reflexões sobre os documentos da Igreja, recordo hoje uma breve Carta Encíclica, cujo tema era o Espírito Santo, publicada a 18 de maio de 1986, pelo Papa João Paulo II. Em 1980, havia publicado uma outra, “Dives in Misericordia” (“Rico em Misericórdia”); no ano anterior, a “Redemptor Hominis” (“Redentor do Homem”), sobre Jesus Cristo. Conforme ele mesmo disse, as três formam uma trilogia dedicada à Santíssima Trindade. Abordaremos cada uma delas.

Os ensinamentos pontifícios são ministrados aos fiéis de modo variado e em diferentes níveis, quanto à importância do conteúdo. Um deles leva o nome de encíclica e goza de particular relevância. A primeira data de 1740, a “Ubi Primum”, de Bento XIV. Umas são doutrinárias; outras, mais exortativas. A 280ª pode ser incluída nessas duas categorias e o resumo dela traduz-se bem pelo título: Carta Encíclica “Dominum et Vivificantem”, sobre o “Espírito Santo”, que dá vida à Igreja e ao mundo.

Perpassa-lhe as páginas a extraordinária influência do Paráclito na vida da Igreja, nesses mais de dois mil anos de atividade redentora em favor da Humanidade. De par com os aspectos positivos, leva-nos a examinar nossas infidelidades nesse largo período de tempo, desde Sua vinda no Cenáculo até nossa época.

Convida-nos a “meditar no mistério de Deus uno e trino que, em si mesmo, é absolutamente transcendente em relação ao mundo, de modo especial em relação ao mundo visível; é, na realidade, Espírito absoluto: ‘Deus é Espírito’ (Jo 4,24). Mas, simultaneamente e de modo admirável, não só está próximo deste mundo, mas está aí presente e, em certo sentido, imanente, compenetra-o e vivifica-o por dentro. Isto é válido, em especial, quanto ao homem: Deus está no íntimo do seu ser (...). Só o Espírito pode ser a tal ponto imanente ao homem e ao mundo, permanecendo inviolável e imutável a sua transcendência absoluta” (“Dominum et Vivificantem”, nº 54).

Na introdução, o documento lembra as palavras do Papa Paulo VI, em junho de 1973, sobre o incremento do culto ao Espírito Santo “como complemento indispensável do ensino conciliar” (idem, nº2). “A Igreja responde também a certos apelos profundos, que julga ler nos corações dos homens de hoje: uma nova descoberta de Deus na sua transcendente realidade de Espírito infinito” (idem). Assim, podemos entender a importância desta Encíclica. Ela sublinha o valor religioso do esforço humano. Os que não têm Fé avaliam o procedimento dos cristãos pela sua participação no desenvolvimento material, no combate à fome, às injustiças sociais, em prol dos direitos da pessoa. Contudo, alcance muito maior se constata em tudo que é realizado em favor do aspecto espiritual. Aliás, tal atitude não menospreza a solução dos problemas imediatos que nos afligem. O Papa João Paulo II, com a “Dominum et Vivificantem”, atinge também a causa desses males. Contribui, assim, de maneira mais eficaz na correção dos flagelos da Humanidade do que se abordasse apenas os efeitos do pecado.

A primeira parte da Encíclica se intitula: “O Espírito do Pai e do Filho dado à Igreja”. Por isso, a Igreja pode conservar sempre intacta a verdade que os Apóstolos aprenderam de seu Mestre (nº 4). Somente assim “introduz-se o homem oportunamente na realidade do mistério revelado” (nº 6).

Neste capítulo, acompanhamos o desabrochar da Revelação divina sobre a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, da Criação aos ensinamentos de Jesus e à manifestação do Paráclito, após a Ascensão. Com a vinda deste, tem início a história da Igreja. E Ele é a garantia de sua perenidade (nº 26).

A segunda parte traz por título: “O Espírito que convence o mundo quanto ao pecado”.

Chamado à existência, o ser humano é mera criatura e, como tal, depende do Criador. Transgredir os limites estabelecidos por Ele constitui desobediência ao Senhor e uma agressão ao indivíduo, isto numa perspectiva transcendental. Tudo ocorreu em nossas origens e se repete na vida de cada um. “Deus permanece a primeira e soberana fonte para decidir sobre o bem e o mal (...) e o Espírito é para o homem a luz da consciência e a fonte da ordem moral” (nº 36). “E o faz reconhecer o mal cometido, orientando-o (...) ao mesmo tempo para o bem que se completa pela conversão” (nº 42). E acrescenta a Encíclica: “A consciência, portanto, não é uma fonte autônoma e exclusiva para decidir o que é bom e o que é mau; pelo contrário, nela está inscrito profundamente um princípio de obediência relacionado com a norma objetiva” (nº 43). O Espírito da verdade, ao permitir a dor do remorso, torna-a salvífica, quando, por um ato de contrição perfeita, opera a conversão perfeita.

O terceiro capítulo aborda o tema: “O Espírito que dá a vida”. Nesse sentido, a contribuição divino-humana da Igreja, vivificada pelo Espírito, assim como sua missão, também se fundamenta n’Ele. E, mediante a Eucaristia, a unidade tão desejada recebe o indispensável alimento.

Vejo este documento como fator muito eficaz na luta que travam os cristãos. Inseridos em um mundo atribulado, no qual impera nítida inversão de valores, as considerações sobre o Espírito Santo desfrutam de particular importância. Levam-nos ao aperfeiçoamento de nossa prática religiosa e fortalecem os fiéis nos embates frente a uma mentalidade pagã reinante na sociedade.

Peçamos ao Espírito Santo que nos ilumine a professar a doutrina do Senhor, mesmo à custa de sacrifícios e incompreensões.