Exigências morais

18/02/2011 18:01

 

A Carta Encíclica “Sollicitudo Rei Socialis”, “A Solicitude Social da Igreja”, foi objeto de um comentário, que desejo completar.

O Capítulo VI, “Algumas Orientações Particulares”, sua parte mais prática, é antecedida por “Uma Leitura Teológica dos Problemas Modernos”. Aqui está um significativo exemplo: a abordagem pastoral de assuntos temporais é feita, sempre, à luz do espiritual, jamais sob aparências político-partidárias ou ideológicas. Somente assim a voz da Igreja se fortalece e alcança sua incomparável eficácia.

A pobreza, em alguns segmentos da sociedade, é um fenômeno crescente: “Os pobres, infelizmente, em vez de diminuírem, multiplicam-se, não só nos países menos desenvolvidos mas, o que parece não menos escandaloso, também nos que estão mais desenvolvidos” (nº42).

A Igreja não tem soluções técnicas que possa oferecer ao problema do subdesenvolvimento. Entretanto, é uma traição reduzir ao plano material a questão. Ela reclama outra dimensão: a dignidade dos homens e dos povos.

Para exercer sua missão, que abrange o homem em sua totalidade, “a Igreja utiliza sua Doutrina Social (...) não uma terceira via entre capitalismo liberal e o coletivismo marxista (...) Ela pertence, por conseguinte, não ao domínio da ideologia, mas da teologia e, especialmente, da teologia moral” (nº41).

Esse tom é nitidamente diferente do que ouvimos com frequência. No entanto, “o ensino e a difusão da Doutrina Social fazem parte da missão evangelizadora da Igreja” (nº41).

O Santo Padre, neste capítulo, situou numa perspectiva internacional a opção preferencial pelos pobres (nº42).

A realização dessa escolha inspirou medidas assistenciais e promocionais de apreciável valor. E também se exauriu em debates ideológicos locais e regionais. Faltou dimensionar o assunto da pobreza crescente no grande cenário da solidariedade mundial, como tanto insistira o Papa Paulo VI na “Populorum Progressio”: “O problema do desenvolvimento integral do homem é inseparável do desenvolvimento solidário da Humanidade”.

Já João Paulo II incluiu na “Sollicitudo Rei Socialis” reformas da mais decisiva importância: do comércio; do sistema monetário e financeiro, hoje reconhecido insuficiente; da transferência da tecnologia e a revisão das estruturas das organizações internacionais. O Papa não propos soluções técnicas para estas reformas, porém insistiu na sua necessidade, como exigência ética da solidariedade entre os povos, sem a qual não se resolve o problema da pobreza (nº43). Para o Santo Padre, entretanto, os países necessitados devem desenvolver iniciativas próprias e não permanecer na mera expectativa da ajuda externa (nº44). Inclusive, proposta de entendimento entre eles mesmos, como já começa a acontecer (nº45). E deverão definir suas prioridades, entre as quais o Papa explicitou, com extraordinária lucidez: a educação de base, a produção de alimentos, a implementação de formas de democracia que favoreçam a participação “para substituir regimes corruptos, ditatoriais ou autoritários” (nº44).

Ensinou que o direito à propriedade privada “é válido e necessário (...) Nela é reconhecida, como qualidade intrínseca, uma função social fundada e fortificada precisamente pelo princípio da destinação universal dos bens” (nº42).

Nas prioridades sugeridas como exigências morais, talvez se encontre a força para reverter a tendência de pauperização de imensas multidões. Nós nos empolgamos – talvez depressa demais – com o “desenvolvimento de todos os homens”, mas nos esquecemos um pouco da necessidade do “desenvolvimento do homem todo”, inseparáveis na “Populorum Progressio”. Só indivíduos com uma educação adequada, devidamente nutridos, gozando de liberdade, especialmente religiosa, e participantes das responsabilidades próprias ao bem comum poderão assumir com sucesso a gigantesca tarefa do “desenvolvimento autêntico”, para o qual convoca todos a “Sollicitudo Rei Socialis”.

Nos entusiasmamos com propostas de soluções que envolvem protestos públicos, denúncias com repercussão na imprensa, remédios com dose de violência, pois os demais meios, pacíficos e humildes, são deixados de lado por alguns cristãos. E eis que o Sucessor de Pedro insisti na alfabetização e na educação de base, nesta última, com a indispensável incorporação do fator religioso.

A Encíclica afirmou ser o subdesenvolvimento também um mal moral, fruto de muitos pecados pessoais que produzem “estruturas de pecado”. Assim, é necessário que, no trabalho de eliminá-lo, se deem conta “da urgente necessidade de uma mudança de atitudes espirituais que determinam o comportamento de cada homem” (nº38).

Em sua conclusão, encontramos um lúcido ensinamento do Papa João Paulo II, que pode ser aplicado ao Brasil e à América Latina quando, nesta Encíclica (nº46), disse: “Nalgumas áreas da Igreja Católica, em particular na América Latina, difundiu-se uma nova maneira de enfrentar os problemas da miséria e do subdesenvolvimento, que faz da libertação a categoria fundamental e o primeiro princípio de ação. Os valores positivos, mas também os desvios e os perigos de desvio ligados a esta forma de reflexão e de elaboração teológica, foram oportunamente indicados pelo Magistério eclesiástico”.

Várias outras diretrizes importantes são sugeridas nesta Encíclica. Para nós, católicos, trata-se de uma ordem emanada da Cátedra de Pedro. Para quem busca a verdade em Cristo, a “Sollicitudo Rei Socialis” é um caminho para corrigir distorções que nos afligem.