A presença do cristão no mundo

13/08/2010 22:48

 

A Igreja é uma instituição estável convivendo em um ambiente de constante transformação. Eterna em suas notas características, a atuação, entretanto, se desenvolve no tempo. Seu fundador deixou à Hierarquia, guiada pelo Espírito Santo, fazer presente ao transitório a Mensagem. Em outras palavras, adequar ao momento presente a Boa Nova. Ora, cada século difere do anterior, a realidade muda incessantemente. Surgem, então, problemas, dificuldades e dúvidas.

Em todo esse quadro, fica patente que a Igreja não fala apenas do amanhã, do futuro; seu papel começa hoje, na vida real de cada fiel. Ela, necessariamente, influencia cada indivíduo e, portanto, a sociedade temporal.

Há uma cosmovisão cristã a iluminar atitudes e a esclarecer sua presença na ordem social. Essencialmente evangelizadora, essa atuação deve ser sempre religiosa, descartando assim tentação de agir como fator político ou poder dominador. Ministra uma formação à luz do Evangelho, que faculta a cada um, no campo profano, discernir o que está de acordo ou em contradição ao ensino do Mestre. Norteia, pois, as consciências e forma as vontades para que um mundo melhor seja construído. Viver circunscrito às sacristias, para empregar uma expressão usual, seria trair um mandato. Preocupar-se com o material, o econômico, o político, em dimensões meramente terrenas, extrapolando o exemplo de Cristo, também é uma traição. Não se trata nem de uma fé antropocêntrica, nem alienada do meio onde deve ser difundida.

Difícil viver essa verdade, conservar uma posição de acordo com a doutrina. Por isso, é oportuno, vez por outra, recordar à comunidade eclesial, com algumas considerações básicas, a orientação autêntica que deve nortear a presença do cristão no mundo, os métodos válidos, coerentes com sua Fé. Em consequência, facilmente se deduz o que está errado em certas atividades, mesmo que usem títulos respeitáveis.

O discípulo que tem uma verdadeira experiência de Deus vê as injustiças sociais como decorrência da falta original. Na ordem inicialmente estabelecida pelo Criador, elas não existiam. Introduzida a morte como castigo, toda uma sequela de males se lhe ajuntou. Redimido o homem, foi-lhe possibilitada a reconstrução do plano primitivo. As consequências, entre elas, a miséria e opressão, acrescida pelas culpas pessoais, jamais desaparecerão. Com o pecado, elas sempre devem ser combatidas; a vitória final não será no tempo, mas na eternidade. Assim sendo, o cristão diante da problemática social, procura realizar o certo e o possível, apelando para a inteligência e a imaginação iluminadas pela Fé.

Em sua ação, tenaz e corajosa, ele compreende a divulgação de uma doutrina que atinge profundamente as estruturas da sociedade. Recordemos alguns de seus postulados. O ensino da Igreja proclama o direito de propriedade, mas dependente do bem comum. A justa distribuição de riquezas é um objetivo que deve ser perseguido. Buscá-la é seguir uma diretriz oriunda do Cristianismo. A consciência social e cívica, preocupação com a Pátria e nossos irmãos necessitados, é uma decorrência da Fé. Essas grandes linhas constituem meta de todo cristão e são a gênese de uma grande revolução. Acreditamos na força da idéia e na fecundidade da Boa nova.

Para nós, mais importante que mudar as estruturas é buscar a conversão das pessoas. Pois, leis excelentes são ineficazes se não há bons juízes. A beleza do Evangelho também não transparece na face de um sacerdote indigno. A denúncia pode ser necessária; uma ação construtiva, evangelizadora, habitualmente produz mais efeitos. A atuação do verdadeiro discípulo do Senhor não se fundamenta em classes, mas na comunidade. No primeiro caso, cria-se um clima de oposição e ódio; no segundo, se constrói conforme o Evangelho. Nosso trabalho social deve ter sempre uma motivação religiosa. Por isso, acreditamos na eficácia da ação redentora. Os agentes dessa atividade necessitam ser alimentados pelo Espírito e permanecer unidos, em comunhão com seus Pastores. Caso contrário, distanciados da Fonte, lutam sozinhos. Fracos, sucumbem.

Eis alguns princípios e considerações referentes a uma metodologia de trabalho em um campo tão importante.

Diante deles, há uma oposição. Uns se impacientam pela morosidade na obtenção de resultados concretos. Fracos na Fé e débeis na obediência ao Magistério adotam outras diretrizes e maneira de agir em oposição ao Evangelho. Outros, acobertados por uma falsa concepção, tentam negar à Igreja um direito que lhe cabe de animar espiritualmente as estruturas temporais.

Essa forma de ação e métodos rigorosamente autênticos e eclesiais, não nos devem atemorizar. Podem surgir incompreensões, mas certamente estará presente a mão de Deus. Os homens passam, mas Ele permanece.

Consciente da sua missão, a Igreja “exorta os cristãos a que procurem cumprir fielmente os seus deveres terrenos, guiados pelo espírito do Evangelho. Afastam-se da verdade os que, sabendo que não temos aqui na terra uma cidade permanente, mas que vamos em demanda da futura, pensam que podem por isso descuidar os seus deveres terrenos, sem atenderem o que a própria fé ainda os obriga mais a cumpri-los, segundo a vocação própria de cada um” (“Gaudium et Spes”, nº 43).