Preservar a identidade da Igreja
A trajetória da Igreja através dos tempos tem sido marcada pelo sofrimento sob os mais diversos aspectos. Aliás, a Cruz estava no seu berço e a acompanha em seu caminhar pela História.
Cada época tem suas características próprias que influenciam ou atingem profundamente a Obra de Cristo, composta de homens que vivem no mundo. Dele recebe estímulos que a fazem progredir na fidelidade ao seu Fundador. No entanto, idéias em voga podem repercutir negativamente na vida eclesial. Entre elas uma está nas raízes de muitos problemas religiosos: um falso conceito de liberdade.
A atmosfera supostamente liberal que respiramos leva a sociedade à procura da satisfação de seus desejos a qualquer preço. O supremo critério do julgamento deixa de ser a lei eterna, o mandamento de Deus, a Verdade de Cristo proclamada pela Igreja. O que impede a satisfação dos anseios de qualquer natureza deve ser afastado. Essa conceituação do comportamento humano não se restringe ao setor econômico e social. Avassalou as várias dimensões da vida, infiltrando-se perigosamente até no campo da doutrina e da moral.
Nesse clima, o fiel é inconscientemente induzido a substituir pelo próprio arbítrio o Magistério dos legítimos Pastores, que deve zelar pela integridade da Palavra revelada com a autoridade que lhe vem do Senhor (cf. “Dei Verbum”, 10) e ensina, interpreta autenticamente as normas éticas que devem reger a existência e atuação de cada um (cf. “Apostolicam Actuositatem”, 24).
Os princípios que fundamentam a nossa sociedade de consumo também conduzem às deformações no meio religioso. Destroem, no plano sobrenatural, tudo o que exige sacrifício, renúncia, abnegação.
A cultura de nossos dias, impregnada por uma tendência consumista estimula pseudo-valores, modificando radicalmente inclusive padrões de comportamento sexual. Aceitam-se relações pré-matrimoniais, aborto, práticas sexuais sem compromisso com a vida, equiparando situações homossexuais ao matrimônio, este, verdadeira fonte da vida. Há quem postule a comunhão eucarística para pessoas que, nessa matéria, não preenchem as condições requeridas. O controle artificial da natalidade encontra defensores que se auto-afirmam católicos.
Foi alterada a Lei de Deus? Não!
Questiona-se hoje a própria autoridade do Magistério. Essa situação causa profunda confusão entre os fiéis.
Erros graves que se infiltram no próprio Povo de Deus são apresentados como válida interpretação do Concílio Vaticano II, obscurecendo sua autêntica mensagem. As vozes que se levantam em nome da Verdade são por vezes abafadas. Além disso, a doutrina de Cristo contradiz a do mundo: é “a porta estreita”, o “toma tua cruz”, “quem não está comigo, está contra mim”, e tantas outras afirmações meridianas que hoje são deixadas à penumbra.
Outra deturpação muito em voga é a concepção de certas virtudes, como por exemplo, a misericórdia, o amor.
A caridade autêntica conduz à observância das determinações do Senhor e de seus legítimos ministros. O falso conceito tenta justificar as agressões aos mandamentos divinos ou aos representantes do Redentor.
O perdão é a característica do cristianismo. Mas ele é verdadeiro se precedido do arrependimento. Do alto da Cruz o pedido do Salvador teve consequências positivas em favor apenas daqueles que o acolheram, reconhecendo-se pecadores. A perene disposição de perdoar não está em contradição com medidas corretivas, aplicadas com justiça, na certeza de que assim se propiciará a transformação daquele que erra.
“Cristo põe em realce com tanta insistência a necessidade de perdoar aos outros que a Pedro, quando este lhe perguntou quantas vezes devia perdoar ao próximo, indicou o número simbólico de ‘setenta vezes sete’, querendo indicar com isso que deveria saber perdoar a todos e a cada um e todas às vezes. É óbvio que a exigência de ser tão generoso em perdoar não anula as exigências objetivas da justiça. A justiça bem entendida constitui, por assim dizer, a finalidade do perdão. Em nenhuma passagem do Evangelho o perdão, nem mesmo a misericórdia como sua fonte, significa indulgência para com o mal, o escândalo, a injúria causada, ou o ultraje feito. Em todos estes casos, a reparação do mal e do escândalo, o ressarcimento do prejuízo causado e a satisfação pela ofensa feita são a condição do perdão” (Papa João Paulo II, em sua Encíclica “Dives in Misericordia”, 97).
O que ouvimos e lemos referente à verdade cristã constitui um quadro inquietante. Se ele se configurasse fora do rebanho, nada a temer. Contudo, penetrou os umbrais dos templos. Infiltrou-se no redil. Almas boas, muitas vezes ingênuas, confundem o título ou o cargo das pessoas com a autenticidade do ensinamento das mesmas. E aí está o motivo desta advertência: nem tudo que parece ser católico, de fato o é.
Grave problema eclesial de nossos dias é preservar a identidade da Igreja. Para atingir este objetivo, comparemos o que lemos e ouvimos com as diretrizes do Santo Padre e dos organismos que agem em seu nome. Com a colegialidade episcopal, o Bispo assume, mais do que antes, a responsabilidade de preservar a doutrina contra as investidas do erro. Evidentemente, serão muitos os percalços a suportar. Quem for fiel até o fim, alcançará a coroa da glória.