Movimento de Natal

  

Em Natal, o ministério de Dom Eugenio foi exercido de 1943 a 1964. O Movimento de Natal sintetiza as atividades desse período.

Para se compreender o Movimento de Natal é necessário levar em conta toda a série de iniciativas que o prepararam a partir da década de 40 e que vieram a configurar seu estilo e estratégia na então Diocese de Natal. Surgiram várias postas em prática com sucesso. Algumas vieram a ter dimensão nacional, dentre as quais o primeiro Regional da CNBB, que abrangia as dioceses da área territorial que ia do Maranhão à Bahia; o primeiro planejamento pastoral, colocando a técnica a serviço do Reino de Deus; a organização sistemática dos trabalhadores em sindicatos rurais, reconhecidos pelo Governo. E, logo a seguir, a primeira Federação dos Trabalhadores Rurais no Rio Grande do Norte; paróquias confiadas a religiosas e as Escolas Radiofônicas que impulsionaram as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), e outras iniciativas, sem esquecer a Campanha da Fraternidade, posteriormente assumida em nível nacional pela CNBB no ano de 1964.

Duas publicações, dentre tantas, apresentam uma ampla análise sobre o Movimento que ficou conhecido internacionalmente. São elas: “Igreja e Desenvolvimento – O Movimento de Natal”, de Alceu Ferrari e “Igreja e Desenvolvimento”, de Cândido Procópio Ferreira de Camargo.

A propósito da repercussão no Brasil e no Exterior, em um artigo publicado na Revista Eclesiástica Brasileira, Pe. Thiago Cloin denominou assim as atividades sócio-religiosas empreendidas pela Arquidiocese de Natal: “Bispos e religiosos, leigos e leigas, não apenas brasileiros, mas também estrangeiros (...) afluem, em número sempre maior, à capital do Rio Grande do Norte, para tomar conhecimento daquilo que podemos chamar o “Movimento de Natal” e que constitui sem dúvida nenhuma a mais bem sucedida experiência pastoral de grande envergadura, em extensão e profundidade, realizada no Brasil”.1 O nome “Movimento de Natal”, credita-se a este sacerdote, citando-o pela primeira vez no referido artigo.

Alceu Ferrari destaca no seu livro que três momentos foram determinantes para a origem e evolução do Movimento de Natal: “a reunião mensal do clero a partir de 1948, a fundação do SAR em 1949 e o treinamento de líderes iniciado em 1952”.

O SAR (Serviço de Assistência Rural) foi criado para dar suporte às atividades do Movimento de Natal e, com ele, dava-se início a atuação no meio rural. Até 1963, seus setores estavam assim agrupados:

a) setores de conscientização e educação: Escolas Radiofônicas, depois (MEB); Migração; Centros Sociais e Clubes; Treinamento de Líderes; Ensino Médio; Politização, etc.

b) setores de ação imediata: Cooperativismo; Sindicalismo Rural; Colonização; Artesanato e saúde.

As primeiras reuniões do clero, realizadas para trocar idéias sobre os trabalhos nas comunidades, tinham a participação de antigos colegas de Seminário e se revestiam de importância fundamental para os acontecimentos posteriores. Eram eles: Eugenio Sales, Nivaldo Monte, Manoel Tavares, Expedito Sobral de Medeiros, Alair Vilar e Pedro Rebouças de Moura. Mas, antes de seis, eram dois, como relata Alceu Ferrari. “Eram dois Assistentes Eclesiásticos da Ação Católica e dezenas de militantes leigos” preocupados com os problemas sociais. Pe. Nivaldo Monte, em 1944, substituiu seu irmão na função de Assistente da Juventude Feminina Católica (J.F.C.) e do grupo de Senhoras da Ação Católica (S.A.C.); Pe. Eugenio de Araujo Sales preparava a formação da Juventude Masculina Católica (J.M.C.), instalada em outubro de 1945.2 Os dois, deram início à primeira fase do Movimento que desencadearia uma série de atividades. Na juventude encontraram o grande celeiro das lideranças de que necessitavam. Mobilizá-la para criar respostas aos desafios foi a estratégia adotada. A Ação Católica, com seu Ver, Julgar e Agir, foi a base metodológica de toda ação.

O alcance e a extensão do Movimento de Natal foram se ampliando, na medida em que as atividades práticas se mostraram bem sucedidas e se institucionalizaram (...). “As atividades visaram, além dos fins religiosos, a incrementar a vida comunitária, a saúde e a educação”.3 Trata-se de uma experiência pré-conciliar que encontrou plena ratificação nos documentos do Concílio Vaticano II.

No seu livro, “A Igreja do Brasil no Concílio Vaticano II”, Pe. Oscar Beozzo cita parte de uma das intervenções de Dom Eugenio apresentada na sessão conciliar. Nela, descreve a peculiar iniciativa das religiosas encarregadas da Paróquia de Nísia Floresta.4

As atividades de Natal têm repercussão no I Encontro de Bispos do Nordeste, realizado na cidade de Capina Grande-PB, em 1959, do qual também participou o Presidente Juscelino Kubitschek. Daí, a experiência irradia-se para todas as Dioceses do Rio Grande do Norte, do Nordeste e várias outras regiões do país.
A continuidade dos trabalhos em outras regiões dependeria de articulação. Nesse sentido, em janeiro de 1962, Dom Eugenio convidou alguns bispos do Nordeste para se reunirem em Natal. Em consequência, surgiu a iniciativa de se criar um secretariado episcopal para coordenar os trabalhos no Nordeste, com sede provisória em Natal. A CNBB, alguns meses depois, aprovou a idéia e dividiu o Brasil em secretariados regionais.

O primeiro Plano de Pastoral de Conjunto, conhecido como Plano de Emergência e aprovado pela CNBB na V Assembléia Ordinária (1962), foi também “inspirado em boa parte na experiência da Arquidiocese de Natal, RN, sob a responsabilidade de Dom Eugenio Sales, como Administrador Apostólico”. Áreas de atuação do Plano já eram objeto de atenção do Movimento de Natal como “a paróquia, o ministério sacerdotal, as escolas católicas, a questão das Frentes Agrárias, a Sindicalização Rural e o Movimento de Educação de Base (MEB)”, originário das Escolas Radiofônicas.5

Segundo Cândido Procópio, a análise do papel do Movimento de Natal no Nordeste e no Brasil, evidencia que sua “inovação foi a ação prática e a visão globalizante que exerceu na conjuntura política do país, perplexo pelas alternativas de organização política e social, bem como a viabilidade de uma solução coerente com o pensamento social da Igreja, beneficiada por seu prestígio e organizada sob seu controle (...). A tomada de consciência da situação econômica e social do Nordeste por parte da Diocese de Natal e dos Bispos da Região contribuiu para sensibilizar todo o país e estimulou uma ação governamental mais responsável”.6

A pesquisa publicada por Ferrari apresenta uma trajetória dos acontecimentos que marcaram a história do Movimento de Natal. Em síntese:


- 1945: Pe. Eugenio preparava a equipe de rapazes da JMC, instalada oficialmente aos 28 de outubro do mesmo ano e Pe. Nivaldo, com a JFC, entregava-se à organização da Escola de Serviço Social, criada no mesmo ano. Teve papel fundamental por dar fundamentos teórico-práticos ao trabalho desenvolvido.

- Início dos trabalhos na periferia da cidade em Morro Branco. A situação lá encontrada era de miséria, pouca instrução religiosas e outras situações afins. Lá foi fundada uma escola provisória gratuita.

- No mesmo ano, o grupo de rapazes da JMC liderados por Pe. Eugenio já trabalhava nos presídios num esforço de assistência religiosa, reconhecida oficialmente pelo Decreto-Lei nº 516 de 1º de fevereiro de 1946.

 

- 1946: Assistência à “Vila dos Pobres”, no bairro do Carrasco, com o apoio da JEC (Juventude Estudantil Católica), ramo da JMC. Lá, instalou-se a Escola-Ambulatório Matias Moreira. Mais tarde, em 1958, a Vila teria o seu Centro Social.

- Escola-Ambulatório e o Centro Social Cônego Monte, no Bairro Lagoa Seca. Contava inicialmente com 480 alunos.


- 1947: Inaugurada a Escola-Ambulatório Pe. João Maria em Morro Branco, assumida depois pelas Irmãs de Caridade. Com a Escola, vieram o Clube de Mães, a Casa da Criança (1953), o Centro Social Des. Celso Sales (1958) e, em 1965, um Posto de venda da Cooperativa de Consumo do SAR.

- 1948: O Serviço de Assistência a Menores (SAM), experiência trazida de uma visita de Pe. Eugenio ao Rio de Janeiro foi implementado. Em novembro foi instalado o Patronato de Ponta Negra para as finalidades do SAM. O mesmo prédio, no período de férias, era utilizado para treinamento de líderes rurais (1952). Mais tarde surgiram os prédios II, com salão para aulas e quartos; o III, construído pelo SAR para treinamentos (1962); o IV, para encontros e cursos do Secretariado do Nordeste (1964).

- Construção da Casa “Bom Pastor”, no bairro Bom Pastor, para atendimento a menor transviada. Em 1951, as Irmãs da Congregação do Bom Pastor assumiram a obra.

- No bairro Rocas, instalação do Centro Social Leão XIII.

- 1949: fundação do Centro Social nas cidades de Macau e Ceará-Mirim.

- 1951: fundação do Centro Social na cidade de Macaíba.

- Centro Social João Lustau Navarro, em Lagoa Nova.

- Realizou-se entre os dias 22 e 27 de janeiro a I Semana Rural do Rio Grande do Norte, na Escola Prática de Agricultura de Jundiaí. A iniciativa foi fruto de uma conversa de Pe. Eugenio, Mons. Hélder e Dr. João Gonçalves (ex-presidente da Ação Católica Rural). Ao todo, foram 14 Semanas Rurais no Estado. Resultados dessas Semanas: conhecimento mais científico dos problemas rurais, Carta Pastoral dos Bispos do Rio Grande do Norte, Missão Rural (visava à promoção, o bem-estar das comunidades rurais e a educação do homem do campo); atualização do clero. Este foi um dos mais importantes, resultando na reunião mensal do clero toda 3ª quinta-feira. Aos poucos, as Semanas Rurais promoveram: cursos de Extensão Universitária para o Clero (o primeiro realizou-se em Ponta Negra, em janeiro de 1957); Seminários sobre diversos temas com a presença de autoridades, técnicos e clero (em 1959 o tema o Seminário tratou de Reforma Agrária); curso de Economia Doméstica.

 - 1952: o SAR firmou convênio com a Campanha Nacional de Educação Agrícola – CNER - que possibilitou fundar o Centro de Treinamento de Líderes Rurais, o Setor de Centos Sociais e a Missão Rural do Agreste.

- 1º Treinamento de Líderes Rurais, entre os dias 14 e 30 de janeiro, sob a orientação do SAR.Centenas de lideranças rurais foram treinadas para trabalhar nas comunidades. A base de atuação nessa empreitada eram os Centros Sociais. Em 1956, o Rio Grande do Norte era o Estado que mais Centros Sociais organizara em todo Brasil.
 

- 1953: Casa da Criança, em Morro Branco.

- Com o apoio de Dom Eugenio, o DNOS (Departamento Nacional de Obras e Saneamento) iniciou, no vale do Pium, a primeira experiência de colonização de vale úmido no Estado; em 1957, na Colônia de Punaú. Esta foi a de maior sucesso, tendo em vista que a primeira ficou comprometida no início por problemas técnicos na comporta construída pelo DNOS no rio Pium. Em 1960 instalaram-se em Punaú 10 famílias japonesas que serviram de estímulos aos futuros colonos brasileiros. Em 1963, chegaram 21 famílias potiguares. No ano seguinte, Pium e Punaú abasteciam de verduras a Cidade de Natal.

- 1954: Instituto Estevão Machado, no bairro das Quintas, para atendimento ao menor delinquente, proporcionando-lhe alfabetização e iniciação profissional.

 - 1955: fundação do “Lar das Mães”, em Lagoa Seca, para proporcionar à mãe solteira um ambiente familiar, aguardando o parto, até conseguir iniciação profissional.

- Centro Social Nossa Senhora de Fátima, no Areal e o Centro Social da Vila de Ponta Negra.

- Instalação de escritórios da ANCAR (Associação Nordestina de Crédito e Assistência Rural) em cinco municípios do Estado, a fim de facilitar meios para os agricultores e criadores quanto ao trato da terra e dos animais. Com sede em Natal, o Escritório Estadual foi instalado em 1958.

- 1956: o SAR iniciou, com cursos para técnicos e universitários, atividades no Setor de Cooperativismo a fim de treinar gerentes e administradores; assessorar as cooperativas; treinar artesãs e manter uma equipe técnica. A finalidade precípua da educação cooperativa era a de formar para capacitar a administração. Além disso, uma rede de cooperativas de produção, de crédito e de consumo foi espalhada por todo o Estado. Reunindo os múltiplos grupos de artesanato já organizados, foi fundada em 1963 a Cooperativa dos Produtores Artesanais do Litoral Agreste – a COPALA. De 1956 a 1966 foram organizadas 14 cooperativas.

- 1957: surgimento de algumas maternidades no interior, mantidas pela comunidade.

 - 1958: A Emissora de Educação Rural era inaugura no dia 10 de agosto. Neste ano foi organizada a primeira experiência de educação de base no Brasil com as “Escolas Radiofônicas”. Em 1959, implantada em Aracaju e, no mesmo ano, no II Encontro de Bispos do Nordeste em Natal, a experiência foi discutida também com os Poderes Públicos.

Em 1961, a Presidência da República e a CNBB assinaram acordo fundando o Movimento de Educação de Base (MEB) estendendo as Escolas a outras regiões do Brasil. As escolas chegaram a ter 20 mil alunos com seus rádios cativos, alimentados por pilhas enormes e pesadas.

- 1959: Centro Social Padre Francisco Ferro, em Nova Descoberta.

- 1960: Centro Social do Morro de Aparecida.

- O SAR organiza o Setor de Migrações com o objetivo de ordenar e organizar as migrações procedentes do Nordeste.

- Início do movimento de sindicalização rural no Rio Grande do Norte com a fundação do Setor de Sindicalismo do SAR, cujo trabalho fora planejado em fins de 1959. A origem do sindicalismo no Estado está dentro do próprio Movimento de Natal, já na pregação de Dom Eugenio, em 1947, sobre reforma agrária.

 - 1961: Realização do I Congresso de Trabalhadores Rurais do Rio Grande do Norte, em Natal, de 22 a 25 de abril.

 - 1962: No dia 08 de abril de 1962 aconteceu no Estado a primeira grande coleta em favor das obras sociais e apostólicas das três dioceses, semente do que dois anos depois foi estendido a todo o país com o nome de Campanha da Fraternidade.

- O SAR criou o Setor de Politização com intenso trabalho no sentido de conscientizar as populações rurais com relação à política e, principalmente, combatendo os chamados “currais” eleitorais, voto de “cabresto” e a “indústria das secas”.

- 1963: Neste ano, outra inovação. Entregar paróquias para serem administradas por religiosas. Eram as irmãs vigárias. A primeira foi Nísia Floresta, depois, Taipu e logo em seguida São Gonçalo do Amarante.

 - 1965: o Setor Saúde do SAR retoma o treinamento de monitores de saúde para desenvolverem trabalhos de educação sanitária. Mesmo antes da fundação do SAR já se cogitava numa “Volante da Saúde” para tratar do assunto.

- Conveniado com o Ministério da Educação e Cultura e a Secretaria de Estado da Educação, o SAR instalou o SERTE (Setor de Rádio-TV Educativa), cujo objetivo era proporcionar aos adolescentes e adultos a possibilidade de cursarem, ou até concluir, pelo rádio, o ginasial. E, também, por meio dos ginásios da CNEC (Campanha Nacional de Escolas da Comunidade), o ensino médio.

- 1966: como para o meio rural existia o SAR, criou-se para a Capital o SAUR (Serviço de Ação Urbana). 

 

 


 


 

1 CAMARGO, Cândido Procópio Ferreira de., Igreja e Desenvolvimento, São Paulo, CEBRAP, Editora Brasileira de Ciências, 1971, p.74.

2 Cf. FERRARI, Alceu, Igreja e Desenvolvimento – O Movimento de Natal, Natal, Fundação José Augusto, 1968, p.43.57; CAMARGO, Cândido Procópio Ferreira de, Igreja e Desenvolvimento, São Paulo, CEBRAP, Editora Brasileira de Ciências, 1971, p.69s

3 Cândido Procópio Ferreira de., Igreja e Desenvolvimento, São Paulo, CEBRAP, Editora Brasileira de Ciências, 1971, p.38

4 BEOZZO, José O., A Igreja do Brasil no Concílio Vaticano II 1959-1965, São Paulo, Paulinas, 2005,p.347.

5 Cf. BEOZZO, José O., A Igreja do Brasil no Concílio Vaticano II 1959-1965, São Paulo, Paulinas, 2005, p.352.

6 Cândido Procópio Ferreira de., Igreja e Desenvolvimento, São Paulo, CEBRAP, Editora Brasileira de Ciências, 1971, p.91;92.