A virtude da obediência
Precisamente em 1990, esteve no Rio de Janeiro como principal conferencista do Curso para Bispos realizado no Sumaré, o então cardeal Josef Ratzinger, hoje Papa Bento XVI. Sua reflexão versou sobre o tema “O Múnus petrino no final do milênio diante dos problemas da Igreja”. Ao fazê-lo, ele se revelou um homem afável, dotado de uma inteligência privilegiada, envolvida pela simplicidade. Sabia ouvir paciente e atentamente os questionamentos. A busca sincera da verdade foi o fundamento de um diálogo fecundo. Apresentou as exigências da subordinação à verdade doutrinária, de modo profundamente humano.
Lembrava João Paulo II em sua Mensagem aos Bispos participantes do Curso: “Procurem indentificar-se cada vez mais com a iniludível exigência, no âmbito da fé, de manter uma constante comunhão intereclesial afetiva e efetiva com esta Sede Apostólica, Coluna e fundamento da Verdade e Princípio visível da unidade”.
Esta constatação fez-me pensar como às vezes se está perdendo – até mesmo em alguns ambientes eclesiais – a dimensão sobrenatural da virtude da obediência, em espírito verdadeiramente evangélico. Essas sombras se tornam mais lamentáveis quando vemos multidões, inclusive de jovens, acorrerem ao Papa para ouvi-lo, por onde passa. Encontra-se com os não-católicos que reverenciam nele a força moral posta a serviço dos homens, da cultura, do bem-comum, da civilização; e, em certos meios eclesiásticos, causa estranheza perceber restrições veladas às diretrizes do Santo Padre.
Importa lembrar que a virtude da obediência é parte integrante na vida do cristão. Este, iluminado pela Fé, vê no Sucessor de Pedro e em seu próprio Bispo não apenas o homem, mas o próprio Cristo que eles representam. Essa atitude tem sua tradução teológica na idéia de “communio”, comunhão que une todos os discípulos de Jesus, pela adesão à Igreja. Ela está sob o pastoreio do Colégio Apostólico, cuja cabeça é Pedro, dos Bispos com e sob o Papa, para usar a expressão conciliar.
Esta dimensão sobrenatural da obediência transcende a simples dimensão humana. Por isso, quando tomo conhecimento de comentários desairosos ou apreciações restritivas a quem serve o Papa, no cumprimento da missão que lhe foi confiada pelo Senhor, fico a pensar se ainda há espírito de Fé em tais pessoas. Conservam o nome de “católicas”, mas pergunto, diante de certas posições, se ainda permanece intacto o conteúdo ou foi alterado por ideologias ou outros elementos contrários à Cruz de Cristo.
Que dizer do relativismo que se insinua sempre mais fortemente em meios eclesiásticos, entre sacerdotes e na vida religiosa? A obediência, há quem o afirme, deve primeiro passar pelo crivo da própria opinião, do discernimento pessoal. O critério não é mais a verdade objetiva, é o meu próprio eu.
Tal mentalidade errônea, fortalecida pela omissão dos que se recolhem para evitar atritos, provoca não apenas uma falta de submissão ao Magistério, mas uma resistência aos legítimos Pastores, para espanto dos leigos fiéis. Os exemplos estão aí, bem como seus frutos de rebeldia insana que escandaliza os bons, afasta os débeis e dificulta a difusão do Evangelho.
É tempo de recuperarmos a virtude da obediência. É preciso voltar a ouvir, no íntimo da nossa consciência, a voz de Cristo: “Quem vos ouve, a mim ouve; quem vos despreza, é a mim que despreza” (Lc 10, 16).
Retomando os textos do Concílio Vaticano II, tão citado, pouco conhecido e nem sempre devidamente aplicado, o Código de Direito Canônico recorda o dever dos cristãos: “Não assentimento de Fé, mas religioso obséquio de inteligência e vontade deve ser prestado à Doutrina que o Sumo Pontífice ou o Colégio dos Bispos, ao exercerem o magistério autêntico, enunciam sobre a Fé e os costumes, mesmo quando não tenham a intenção de proclamá-la por ato definitivo; portanto, os fieis procurem evitar tudo o que não esteja de acordo com ela” (cânon 752).
Essa atitude de assentimento pleno à autoridade no interior da Igreja, fruto da virtude da obediência, traz consigo muitas consequências. Elas são uma decorrência natural da verdadeira vida cristã. A renúncia às próprias opiniões em matéria relacionada ao Credo e à Moral, inaceitável a quem não professa o Evangelho, faz parte de nossa opção de fé. Afirma a citada mensagem do Papa aos Bispos: “Assim se poderá dar aquela resposta evangélica às situações e desafios de nossa época, conseguindo instaurar, onde quer que seja, a civilização da Verdade e da Vida, bem como de justiça, de paz e de amor”.
Pode, aos de fora da comunidade eclesial, parecer estranho tal atitude. E devem ser respeitados em sua maneira de ver. Entretanto, Cristo não nos deu uma Doutrina conforme a mentalidade do mundo. Aos que seguem tais correntes de pensamento, compreendo seja ininteligível o ensinamento do Mestre. O que não se entende é alguém afirmar-se fiel e proceder de modo contrário.
Nas palavras do hoje Bento XVI, “a principal preocupação de todo o cristão há de ser a fidelidade, a lealdade à própria vocação, como discípulo que quer seguir o Senhor. ‘Se o Batismo é um verdadeiro ingresso na santidade de Deus através da inserção em Cristo e da habitação do seu Espírito, seria um contrassenso contentar-se com uma vida medíocre, pautada por uma ética minimalista e uma religiosidade superficial’” (Discurso na Igreja da Santíssima Trindade, Fátima, Portugal, a 12 de maio de 2010).