A autoridade em nosso tempo

26/11/2010 22:23

 

Entre as profundas modificações observadas em nossa época, está o exercício da autoridade. Algumas, positivas, outras, negativas.

A apreciação verdadeira que leve à retificação de rumos, implica numa visão clara de sua origem e natureza, segundo o conceito cristão. A expressão latina “auctoritas” significa a respeitabilidade própria de quem é autor de algo, que protege, dá ou aumenta a vida. Quando pessoal (não oriunda de uma instituição) se baseia mais em qualidades morais: a experiência, sabedoria, inteligência, capacidade prática, santidade. A oficial está vinculada a um ofício, fundamentado, primordialmente, na missão recebida através de um múnus.

Toda a sociedade civil requer alguém que desempenhe essa tarefa. A própria natureza humana, para sua plena realização, necessita ser ajudada pela comunidade. Deve haver alguém que preserve o bem individual e que seja também o guardião da coletividade, que é garantia indispensável a cada um de seus componentes. A dignidade do indivíduo é critério na busca da justa proporção entre o particular e o público. Para isso, impõe-se uma presença que exija a renúncia de certos valores de um lado e de outro, resguardando o indispensável equilíbrio.

O poder civil não se origina de um mero contrato. Nem vem simplesmente do povo. A fonte última não está no Estado, mas em Deus.

Dois princípios são essenciais. O Senhor criou o homem para que se realize plenamente. Entretanto, o direito do próximo é seu limite. O segundo é o consenso popular, cujas formas concretas variam conforme a sabedoria histórica e a cultura de cada época. Elas geram uma forma visível de exercer no tempo, o que tem sua origem divina.

No Antigo Testamento, temos uma teocracia que reveste o governo civil de uma roupagem religiosa. No Novo Testamento, a independência do Estado é reconhecida, reverenciada e também criticada em seus excessos. Eis alguns textos: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mt 22,17-21). Nos Atos dos Apóstolos (4,19ss) a autoridade, mesmo político-religiosa, mas sob vestes teocráticas, tem limite na dignidade do homem imortal e no mandato absoluto de se anunciar o perdão da Cruz e a Ressurreição. Na Epístola aos Romanos (13,1-7), 1Coríntios (6,1-4), 1Pedro (2,3-17), é clara a subordinação desse poder ao dever de consciência. São Paulo lembra, ainda, 1Timóteo (2,1ss) sobre a obrigação de rezar pelos que nos governam. E o Documento Catecismo da Igreja Católica assim nos fala: “A sociedade humana não estará bem constituída nem será fecunda, se a ela não presidir uma autoridade legítima que salvaguarde as instituições e dedique o necessário trabalho e esforço ao bem comum. Por conseguinte, toda a comunidade humana tem necessidade de uma autoridade que a governe. Esta tem o seu fundamento na natureza humana. Ela é necessária para a unidade da comunidade civil. O seu papel consiste em assegurar, quanto possível, o bem comum da sociedade”. E ainda: “A autoridade exigida pela ordem moral emana de Deus (...). Quem resiste, pois, à autoridade, opõe-se à ordem estabelecida por Deus” (nn. 1897-1899).

Quando se trata da sociedade religiosa há também outra dimensão. Puebla (nº 257) recorda: “A Igreja, enquanto Povo de Deus reconhece apenas uma autoridade: (...) Por isso, a participação de sua autoridade, aos Pastores ao longo da História, nasce e parte desta mesma realidade”.

Nos últimos tempos, constata-se mudança na maneira de exercê-la, acentuando seu caráter de serviço. Fica, entretanto, inalterada sua característica especial: o mandato explícito de Cristo. Ele constitui doutores que falam em seu nome: ”Quem vos ouve é a mim que ouve” (Lc 10,16). Estabeleceu o poder sacerdotal e fez dos Bispos os que autenticam os carismas.

O cristão, por sua Fé, reconhece a autoridade civil e religiosa. A doutrina que professa exige o respeito, independente das qualidades ou defeitos dos que se encontram revestidos desse mandato que vem de Deus. Entretanto, em nossos dias, há uma verdadeira destruição desses elementares ensinamentos do Salvador.

Assistimos o fracasso de uma educação anti-autoridade, apregoada nos últimos tempos. Uma concepção pedagógica, decorrente de uma psicologia (Freud) que pretende libertar da opressão, chegou a melancólicos resultados. Pedagogos começam a se levantar contra tão funesta e generalizada aberração de um educador desprovido do mando legítimo. Guardadas as devidas proporções, podemos dizer o mesmo da sociedade. A anarquia, a contestação, a desordem com suas consequências aí estão.

O consumismo em seu sentido mais amplo repele qualquer renúncia. Então a liberdade, importante e indispensável fator de progresso e de formação pessoal e social, se converte em libertinagem. Como um círculo vicioso, busca-se a compensação no sexo, no tóxico, no terrorismo. Sem horizontes, que somente um ideal nos pode dar, corrompe-se o cerne de uma integração benéfica entre o poder e o respeito à autonomia individual, Caminha-se então para o despotismo, a ditadura ou os regimes anárquicos.

Para restabelecer uma nova vida, fundamentada na lei natural e cristã, da verdadeira autoridade, cabe à Família um papel da maior relevância: ela deve restabelecer esses princípios no seu interior para o bem estar da sociedade civil e religiosa.