CEBs, Igreja e Política
A propósito da realização no próximo dia 07 de agosto, em Natal, Rio Grande do Norte, do 2º Encontro de integrantes do então Movimento de Natal, recordo-me de duas iniciativas deste trabalho que, na década de 50, impulsionaram o surgimento das Comunidades de Base no Brasil: a experiência da cidade de São Paulo do Potengi com a criação de núcleos de comunidades para o cultivo da vida cristã e a de educação pelo rádio. Através desse veículo, as comunidades se reuniam para participar da missa onde o sacerdote não podia estar presente e a alfabetização era empreendida como um grande desafio. Iniciativas, entre outras, inspiradas pelo Espírito Santo que guia a Igreja.
À medida que se desenvolvem e crescem nossas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), manda a prudência cristã que haja vigilância na defesa de suas características essenciais. A eficácia desse admirável instrumento de evangelização, proporcionado pelo Espírito Santo, dependerá da preservação de sua identidade religiosa.
O fulcro sobre o qual está depositado o futuro das CEBs é a fidelidade às orientações do Magistério que governa a Igreja. Elas são parte integrante das paróquias e estas, das comunidades diocesanas que estão sob a direção dos Bispos e do Sucessor de Pedro, o Santo Padre. Qualquer procedimento discordante constitui uma traição e uma ruptura, com a separação do tronco e a supressão da seiva divina. Como está expresso no Documento de Aparecida, “as comunidades eclesiais de base, no seguimento missionário de Jesus, têm a Palavra de Deus como fonte de sua espiritualidade e a orientação de seus pastores como guia que assegura a comunhão eclesial” (nº 179).
Há perigo de desvios? Sim. Quando veio ao Brasil, o Papa João Paulo II, em 1980, deixou um documento intitulado “Mensagem aos Líderes das Comunidades Eclesiais de Base do Brasil”. Nele observava o Sucessor de Pedro: “Sublinho, também, esta eclesialidade, porque o perigo de atenuar essa dimensão, de deixá-la desaparecer em benefício de outras, não é nem irreal nem remoto. Antes, é sempre atual. É particularmente insistente o risco de intromissão do político. Esta intromissão pode dar-se na própria gênese e formação das comunidades (...). Pode dar-se também sob a forma de instrumentalização política das comunidades que haviam nascido em perspectiva eclesial” (nº 3). Tratava-se de uma advertência que não chamaria de profética, pois já existiam desvios que motivaram a paternal e firme admoestação do Romano Pontífice.
Isto foi dito há trinta anos e, ainda hoje, conserva toda a sua atualidade. Acrescente-se o que lemos no nº 58 da Carta Magna das CEBs de todo o mundo, a “Evangelii Nuntiandi”. Neste documento, com a autoridade que lhe confere o título de “Exortação Apostólica”, o Papa Paulo VI dá a legítima orientação da Igreja católica nessa matéria.
Diante da importância dessa atividade religiosa, é dever do Bispo e de milhares de integrantes das Comunidades Eclesiais de Base zelar pela observância dos rumos dados pelo Magistério. É o que João Paulo II chamava de “uma delicada atenção e um sério e corajoso esforço para manter, em toda a sua pureza, a dimensão eclesial dessas comunidades” (idem).
Com alguma frequência, se manifesta, em certos meios, incontrolável desejo de independência face às normas que nos são ditadas pela Santa Sé. Para esses cristãos, vale mais a autonomia e a autodeterminação. Trata-se de um comportamento oposto ao verdadeiro “sentire cum Ecclesia”, “sentir com a Igreja”, que contradiz as aspirações de uma liberdade sem restrições, com um rompimento com tudo o que contraria o modo de conceber a estrutura religiosa e a atividade pastoral. Ora, se somos católicos, a obediência às leis da Igreja não é facultativa, mas obrigatória.
Não há oposição às Comunidades Eclesiais de Base, quando estas são verdadeiras. Cristo deixou uma estrutura, que é intocável. No decorrer dos tempos, adaptações no acidental foram introduzidas, mas resta inalterado o essencial. Não cabe ao fiel proclamar o que aceita ou rejeita, não é o povo de Deus que decide, mas o Espírito Santo que, embora “sopre onde quer”, jamais está em contradição consigo mesmo, Ele que dirige a obra de Cristo desde suas origens.
Nossos sofrimentos têm gerado anseios legítimos por uma nova sociedade, válida somente quando identificada com a nova civilização do amor, tantas vezes proclamada pelos últimos Santos Padres. Um socialismo em senso estrito não é solução para nossos males. A conversão das pessoas e não somente das estruturas sociais é o caminho evangélico.
Nessa mesma linha corre-se o risco de infiltração partidária nas Comunidades Eclesiais de Base. No entanto, formar os leigos para levarem às agremiações políticas o fermento da doutrina cristã é missão das CEBs.
Uma outra fonte de contradição é a falsa interpretação da Sagrada Escritura. O Santo Padre nos adverte que as CEBs devem receber da Igreja a “reta interpretação da Revelação divina na Bíblia e na Tradição, os meios de salvação, as normas de comportamento moral, a vida de oração, a liturgia etc” (idem, nº 4).
Eis alguns pontos, entre outros, que pedem nossa atenção. Um exame do que vemos e ouvimos, a ser comparado com o que caracteriza uma verdadeira Comunidade Eclesial de Base. Com coragem, devemos “conservar intacta a sua dimensão eclesial, não obstante tendências ou impulsos que venham do Exterior ou do próprio País, num sentido diverso” (idem, nº 3). AS palavras deixadas por João Paulo II nos orientam para discernir o certo do errado, dentro do que se afirma ser Comunidade Eclesial de Base.