O Sagrado é Racional, Exclusivo e Transcendente
Nosso povo, na sua grande maioria, é batizado e se confessa católico. Observa um conjunto de práticas ou manifestações religiosas, que podem ser agrupadas sob o nome de “devocionais”. A devoção é uma manifestação da fé. “Se for bem orientada, sobretudo mediante uma pedagogia da evangelização, ela é algo rico de valores. Assim ela traduz em si uma certa sede de Deus, que somente os pobres e os simples podem experimentar; ela torna as pessoas capazes para terem rasgos de generosidade e predispõe-nas para o sacrifício até ao heroísmo, quando se trata de manifestar a fé; ela comporta um apurado sentido dos atributos profundos de Deus: a paternidade, a providência, a presença amorosa e constante, etc (...). Antes de mais, importa ser sensível em relação a ela, saber aperceber-se das suas dimensões interiores e dos seus inegáveis valores, estar-se disposto a ajudá-la a superar os seus perigos de desvio” (Evangelii Nuntiandi, nº 48).
É notória a inclinação bastante generalizada de se buscar o sagrado em suas expressões sensíveis e para fins imediatos ou utilitaristas. Por isso, nasce um grave dever pastoral, no emprego dos métodos, ao tratar dessa necessidade da alma de nossa gente. As demonstrações desta sede ou nostalgia do Altíssimo, se bem orientadas, conduzem à plenitude da Fé ou, ao contrário, afastam nossos fiéis do Salvador e de Sua Igreja. O correto posicionamento do Pastor leva à descoberta das sementes do Verbo divino, presentes nestas práticas, por vezes mescladas de erros e falhas. Impõe-se um discernimento crítico e, acima de tudo, inteligente, à luz as Palavra do Senhor, para que nada se perca do que há de legítimo e positivo. De um lado, exige-se o conhecimento profundo de nossa formação cultural, que nos guia a uma paciente e até materna atitude, para não extinguir a chama que ainda bruxuleia (Mt 12,20). E também a absoluta, embora caridosa, fidelidade doutrinária, no anúncio completo do Evangelho, a exemplo de São Paulo, pregando o Cristo no Areópago de uma grande cidade (At 17-22,31).
A alma humana carece de gestos, de símbolos para expressar seus sentimentos. Em sua etapa elementar de crescimento espiritual, facilmente se cai na ambiguidade dessas manifestações concretas. Merece do Pastor o tratamento que se dá à criança, diverso do adulto. Ele evangeliza ao mesmo tempo o indivíduo e a exteriorização de sua religiosidade, corrige sem destruir.
Seguindo com deferência as determinações litúrgicas, ele utiliza a margem de liberdade contida nas leis eclesiásticas para uma criatividade sadia, como reconhecer o valor da água benta, das velas, procissões, da veste litúrgica e de pessoas consagradas.
Não temos o direito de impor idéias pessoais, particulares, que firam a sensibilidade do povo cristão. Temos o dever de servi-lo.
Impressiona a resistência de não poucos às diretrizes comunicadas caridosamente pelo Santo Padre. Na História da Igreja vê-se que a cada degenerescência da disciplina corresponde um renascimento pela conversão ou através de uma traumática ação corretiva.
O respeito aos sinais que revelam exigências do coração de nosso povo pede uma atitude verdadeiramente pastoral. Para alcançar esse objetivo muito nos ajudará uma adequada idéia da supremacia do Altíssimo e nossa dependência aos que, em Seu nome, dirigem a Instituição fundada por Cristo. Em consequência, impõe-se aceitar que o Sagrado transcenda o saber e o amor do homem, submetendo-os ao juízo do Absoluto. Caso contrário, surgem dois perigos. Um, identificar indevidamente nossas intenções e desejos para com o Senhor e Seus mandamentos, substituindo, assim, a vontade do Criador pela da Criatura. Um outro vem da inautenticidade na concepção cristã que permite o recurso a pretensas justificativas. São falsos deuses a cujo altar sacrificam, imolam ao poder deificado, ao lucro, ao prazer.
O Sagrado, no sentido cristão, tem sempre estas notas: é racional, exclusivo e transcendente. Racional, isto é: não esmaga o intelecto humano, mas apela a ele. Exclusivo e totalizante, pois engloba o ser do homem, até as suas mais misteriosas raízes, exigindo a consagração da pessoa, em toda sua grandeza. O sacro, para o cristão, é o próprio Deus ou o que a Ele se refere. Por isso, só se pode atingi-lo numa dedicação integral ao Senhor e, em decorrência, ao nosso próximo. Enfim, é transcendente, ao abrir os valores e interesses humanos para a última dimensão da liberdade e do serviço.
Estas considerações merecem o despojamento de nossas idéias pessoais, quando contradizem o Evangelho. Somente assim o sagrado não ocupará o campo do transitório. E, em consequência, exercerá uma ação altamente humanizadora, ao contemplar, sob as realidades da vida, um significado espiritual. Sem essa perspectiva, o indivíduo e a comunidade embrutecem, degradam-se.
O Senhor é exatamente a última razão de nossa existência e a fonte da qual brotam a paz, a ordem, o amor que liberta. Só Ele renova no homem a capacidade de viver com honradez e de relacionar-se com o seu semelhante de um modo digno. Importa, portanto, valorizá-lo e, ao mesmo tempo, purificá-lo. O divino não pode jamais ser manchado por nossas limitações, fruto do pecado. Essa é uma tarefa que pede inteligência e caridade.