Uma outra dimensão da existência
A idéia de repouso nos é incutida desde os albores da humanidade. Relata o Gênesis: “Deus repousou, no sétimo dia, do trabalho por Ele realizado. Abençoou o sétimo dia e santificou-o, visto ter sido nesse dia que Deus repousou de toda a obra da criação” (2,1-2).
A Sagrada Escritura, em muitas ocasiões, ao abordar este tema, apresenta-o sob uma perspectiva religiosa. Além de ser sinal da libertação do cativeiro do Egito, esse “pacto imutável” (Ex 31,16) possui um alto significado: “Entre mim e os filhos de Israel é um sinal externo, testemunho de que o Senhor fez os céus e a terra em seis dias e no sétimo dia terminou a obra e descansou” (Ex 31,17).
Tais prescrições são de caráter espiritual e, naquilo que elas têm de essencial, continuam válidas para o cristianismo. Não se reduzem a uma mera abstenção de ocupações servis, mas incluem, como dever, as atividades decorrentes do relacionamento com Deus.
Trata-se também de uma exigência da constituição de nosso corpo e da estrutura familiar e social.
Há um exemplo que ilustra tipicamente a importância de um dia por semana no qual sejam suspensos os trabalhos em obediência ao mandamento do descanso dominical. Na Revolução Francesa, levado pela cegueira do anticlericalismo - infelizmente não de todo superado em nossos dias - La Revellière, membro do Diretório, tentando concretizar o plano de uma nova religião, lançada em 1796, introduziu, em 1798, a substituição da semana de sete dias por outra, de dez, proposta por Dovai. Protegidos pelo Governo, empregaram toda sorte de violência para pôr em prática sua idéia (Hubert Jedin, vol. VII, p.91). O total fracasso veio da reação, nascida da própria natureza humana, que revelou a inviabilidade do plano.
O corpo pede um repouso semanal, como também a vida familiar e social. O lar se edifica com a convivência de seus membros, o que ocorre por ocasião do “dia do descanso”, usufruído por seus integrantes em conjunto. O ser humano foi criado para viver em comunidade e isso exige momentos de folga, onde seus componentes possam se encontrar e participar de atos coletivos. Dada a dimensão espiritual do homem, o dia consagrado ao Senhor goza de grande importância. O domingo é fundamental também para o bem-estar social. Ele cria condições para um desenvolvimento integral. Sem ele, a formação humana restaria incompleta. Os valores transcendentais, fruto da Fé, nos são incutidos de modo particular nessa comunidade.
O repouso dominical, pois, deve ocupar um lugar bem acima das vantagens econômicas e financeiras. Sua transgressão acarreta prejuízos, inclusive de ordem material, ao ferir nosso equilíbrio.
Para nós, cristãos, o domingo ocupa um lugar sagrado. Diz o Concílio Vaticano II, na Constituição “Sacrosanctum Concilium”: “Devido à tradição apostólica, que tem sua origem no dia mesmo da Ressurreição de Cristo, a Igreja celebra a cada oitavo dia o Mistério Pascal. Esse dia chama-se justamente dia do Senhor ou domingo” (nº 106).
Já em meados do século II, São Justino Mártir descrevia a celebração eucarística nesse dia e o comportamento dos cristãos, como o prescreve atualmente a Igreja, isto é, “particular nos domingos e dias santos, da divina liturgia” (“Orientalium Ecclesiarum”). Esse é o quarto mandamento da Igreja, em pleno exercício em nossos dias. É absolutamente falsa e abusiva qualquer afirmação em contrário, seja qual for a sua procedência. O Catecismo da Igreja Católica é claro: “Aqueles que deliberadamente faltam a essa obrigação cometem um pecado mortal” (nº 2181). Essa determinação tem sua origem na severa prescrição de Deus: “Durante seis dias trabalharás (...) mas o sétimo dia é de descanso, consagrado ao Senhor teu Deus. Neste dia, não farás nenhum trabalho” (Ex 20,9).
Em nossa época, urge “respeitar o domingo, recuperando o seu originário significado religioso de ‘Dia do Senhor’ pela participação na Eucaristia, e a sua relevância social de dia de descanso e do encontro pessoal, pela presença à mesa e diálogo da vida dos seus e, ainda, pelo serviço de comunhão e solidariedade com os doentes e atribulados” (João Paulo II, aos bispos portugueses, em 27/11/1992).
Deus constituiu uma ordem no mundo. Primeiro, os valores espirituais e, a seguir, as necessidades meramente econômicas. Assim, ao se falar de repouso dominical, cabe a primazia ao religioso e não ao financeiro. Não se torna melhor a pessoa, a sociedade, simplesmente aumentando vendas no comércio. Quando os valores são quebrados ou desprezados surge o desequilíbrio, com repercussões na vida social e particular.
Ao lado desse dever imposto por Deus, com efeito no campo físico e psicológico, há um outro traço a salientar: as férias.
Nessa época do ano, são milhões que suspendem suas atividades em busca de um equilíbrio de forças para alcançar a indispensável recuperação na alma e no corpo. “Daqui a exigência de as férias serem efetivamente um período de renovação humana em que, longe do habitual ambiente de vida, é possível encontrar-se a si mesmo e os outros, numa dimensão mais equilibrada e serena” (João Paulo II, “Angelus”, 01/08/1999).
Guardemos, pois, a ordem instituída por Deus e o mais virá por acréscimo.